Rudolph Hess, braço direito (pois claro) do Hitler, foi um dos mais importantes nomes do nazismo. No final da 2º Guerra Mundial, foi detido, julgado e condenado a prisão perpétua. Foi o último hóspede da Prisão de Spandau, e o único durante 40 anos. O seu sítio preferido era o jardim, onde lhe era permitido passar algum  tempo diariamente.

“O Príncipe de Spandau” podia ser sobre um velhote a falar sozinho na sua cela. Mas é sobre um velhote nazi a delirar, solitário, a céu aberto. Num pomar-prisão, no meio de maçãs de raças diferentes, conquistadas por dentro pelos vermes. Neste recanto infértil (esperemos), brinca-se à política, com o mundo e com as vidas com a mesma displicência com que se trinca a sobremesa. E assim, da forma mais radical e atrevida possível, levantamos o braço (sim, esse) para fazer ouvir tudo o que não gostamos.

Tudo isto podia ser só premonição relativamente ao ressurgimento de tendências racistas, despotismos e censuras. Mas este velhote é uma árvore centenária, que continua firme e hirta no meio de nós.

SOBRE O AUTOR E A PERTINÊNCIA DO PROJETO

Hélder Costa nasceu em Grândola a 6 de janeiro de 1939 e é um encenador, ator e dramaturgo que ficará nos livros da nossa História do Teatro. Esteve exilado em Paris, frequentou o Institut d’Études Théatrales da Universidade de Sorbonne e foi fundador do Teatro Operário de Paris (1970). Após o 25 de Abril de 1974, regressou a Portugal e foi um dos membros fundadores do grupo A Barraca, onde é encenador e diretor artístico. Dirigiu vários espetáculos em Espanha, Brasil, Dinamarca e Moçambique.
É, igualmente, autor de uma vasta obra publicada – das quais destacamos “O Príncipe de Spandau”, “Por Amor de Deus” e “O Incorruptível”. Antes que fosse tarde demais, decidimos visitar Hélder Costa e pedir-lhe autorização para o NAVIO dedicar 2023 a levantar e levar a cena os seus três monólogos. Depois de nos ter sido dada a autorização, resta-nos homenagear esta nossa referência, enquanto a temos viva, e brincar (com a maior seriedade possível) a este seu teatro político, que parece que foi escrito hoje.
“O Incorruptível” estreou no dia 27 de Março de 2023, Dia Mundial do Teatro, n’A Barraca, em Lisboa. “O Príncipe de Spandau” estreia a 27 de Setembro de 2023, acolhido pelo Teatro Helena Sá e Costa, como prémio de um projeto da companhia ter ganho o Festival SET em 2022.

SOBRE O NAVIO

O NAVIO: Núcleo Artístico de Vontades Inusitadas e Outras é uma estrutura de criação no campo das artes performativas e audiovisuais fundada no Porto, em 2021, por alunos finalistas das várias áreas do curso de Teatro da ESMAE: Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, bem como amigos e conhecidos de outras andanças artísticas.
Nos últimos dois anos, andamos a navegar no alto mar do teatro, da dança, do cinema, da música, do ilusionismo, da dramaturgia contemporânea e da beleza da transdisciplinaridade. Acima de tudo, andamos a navegar no que nos faz feliz e no que cremos ser revelante, pertinente e revolucionário. Nos tempos que correm, sentimos ser importante contracenar com a atualidade e fazer arte com as pessoas e para as pessoas. Desde miúdos até graúdos. Sem elitismos, sem segundas-intenções. O mote para continuar a criar surge de uma vontade quase fisiológica, como se a urgência de fazer arte fosse tão impossível de abrandar como a urgência de fazer xixi. Destacamos que projetos da companhia foram vencedores do Festival SET 2022 e da Bolsa de Criação 2022 da companhia A Turma, e que o NAVIO estreou seis criações na última temporada dos Filhos do T.